Um projeto fotovoltaico de grande escala previsto para o distrito de Castelo Branco está a desencadear contestação generalizada entre autarquias, associações ambientalistas e parte da população local. O Parque Solar Fotovoltaico Sophia, promovido pela Lightsource bp, é apresentado pela empresa como uma iniciativa capaz de “conciliar a produção de energia renovável com a valorização ambiental do território”, mas os críticos alertam para impactos paisagísticos, ambientais e socioeconómicos considerados profundos e, nalguns casos, irreversíveis.
A megaestrutura, com potência prevista de 867 MWp e um investimento estimado em 590 milhões de euros, será distribuída pelos municípios do Fundão, Penamacor e Idanha-a-Nova. A empresa calcula que, quando concluída, a infraestrutura poderá “abastecer mais de 370 mil habitações e evitar a emissão de cerca de 24,5 mil toneladas de CO₂ por ano”, contribuindo para as metas do Plano Nacional Energia e Clima 2030. A consulta pública — a mais participada de sempre, com mais de dez mil contributos — encerrou a 20 de novembro e revelou um fosso entre os objetivos da promotora e as preocupações expressas no território.
A Lightsource bp explica que a escolha da área foi determinada, antes de mais, pela proximidade à rede elétrica, já que o ponto de ligação será a Subestação da REN do Fundão, assegurado por um Acordo de Título de Reserva de Capacidade. A empresa afirma ter realizado “um trabalho exaustivo de recolha de informações ambientais” ao longo de seis anos e garante que a localização escolhida representa “a opção de menor impacto num raio de 30 quilómetros”.
A companhia frisa que o projeto está ainda numa fase inicial de licenciamento, prevendo a entrada em funcionamento em 2030.
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA), datado de setembro de 2025, detalha que o parque contará com 1.365.588 módulos fotovoltaicos, ocupando cerca de 390 hectares distribuídos em vários sectores. O modelo tecnológico adotado é descrito como eficiente, fiável e capaz de maximizar o rendimento energético.
Embora o projeto não incida sobre áreas da Rede Nacional de Áreas Protegidas ou sobre Sítios da Rede Natura 2000, o EIA reconhece que a sua implantação se sobreporá ao Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO. O documento identifica a fase de construção como o período de maior pressão ecológica, com impactos negativos sobre solos, flora, fauna e paisagem, sobretudo devido à desmatação, abertura de acessos e construção de uma subestação. Estima-se ainda o abate ou afetação de 1.120 azinheiras e 421 sobreiros isolados.
O EIA admite que a central causará impactos paisagísticos significativos, incluindo nas áreas envolventes de Castelo Novo, Idanha-a-Velha e Monsanto, três aldeias históricas de grande valor cultural e turístico. Embora os efeitos sobre o património sejam classificados como potencialmente “negativos, definitivos e irreversíveis”, também se sublinha o impacto económico do arrendamento das terras por 40 anos e a injeção de capital externo na região.
Reações das autrquias: “um revés para anos de valorização do território”
A Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa (CIMBB) divulgou uma posição “desfavorável” ao projeto, alegando que a sua escala trará “enormes impactos na comunidade e no território”. Entre as críticas, destacam-se a “degradação da paisagem”, os efeitos sobre habitats sensíveis e a ameaça ao turismo e aos modos de produção tradicionais.
João Lobo, autarca de Proença-a-Nova e presidente da CIMBB, sublinha que as preocupações se centram no “impacto visual” e na dimensão do parque. “Estamos todos focados na transição energética”, afirma, mas considera essencial que os projetos sejam instalados “em localizações que não afetem o valor maior da paisagem, da biodiversidade, da geodiversidade e dos espaços florestais”.
O autarca teme perdas irreparáveis: “Quando nós temos uma área a ser abrangida pela central, esta depois não pode ser usufruída e aquela área não vai ser substituída por outra.” Defende que é possível compatibilizar crescimento económico e energia renovável, mas apenas com “bom senso” e sem sacrificar “a monumentalidade da natureza, que é um bem público de que todos usufruímos”.
Lightsource bp responde: “o projeto deixará um legado positivo”
A empresa assegura que o Parque Solar Sophia será “um motor de desenvolvimento local”, garantindo que os benefícios serão partilhados com as comunidades. A entidade distingue-se das críticas autárquicas ao afirmar que o projeto tem sido desenvolvido “com pleno respeito pelas comunidades e instituições locais”, lembrando que já contactou cerca de 30 entidades públicas e privadas.
Ainda assim, João Lobo lamenta que os primeiros contactos tenham sido insuficientes, acusando a empresa de falta de “assertividade” na fase inicial. Apesar disso, reafirma que as autarquias estão abertas a investimento, desde que acompanhado pela devida ponderação ambiental e social.
Impactos ambientais continuam a gerar polémica
A Lightsource bp garante que o projeto inclui medidas de proteção ambiental, desde a preservação total de sobreiros e azinheiras em povoamentos de alto valor ecológico à salvaguarda integral de solos da Reserva Agrícola Nacional. Destaca ainda a futura plantação de 27 mil árvores autóctones e a conversão de 135 hectares de eucaliptos em montado, integrada num Plano de Estrutura Verde com 228 hectares destinados a reforçar a resiliência ecológica e a retenção de carbono.
Mas para a associação Zero, estas medidas não colmatam as fragilidades identificadas. Ricardo Filipe, responsável pela área das energias renováveis, denuncia à Euronews que o EIA desvaloriza arvoredo não classificado como protegido e critica o abate de cerca de 20 hectares de carvalho-negral. Sublinha ainda a previsão de eliminação de “cerca de 1.500 sobreiros e azinheiras” e a ocupação de “cerca de 30 hectares” de áreas de Reserva Ecológica Nacional.
O ambientalista alerta, igualmente, para o impacto sobre o solo, estimando que 1.060 hectares serão desmatados e sujeitos à remoção da camada superficial: “Vamos ter 1.060 hectares com terra ‘despida’, exposta à erosão e aos fenómenos climáticos.” Para a associação, o problema maior reside precisamente na escala: “Está a ser realizado um trabalho mal feito, porque está a dar-se muito peso às megacentrais.”
Além da Zero, outras entidades — como a QUERCUS, a FAPAS e o Rewilding Portugal — já expressaram preocupação com impactos ecológicos e sociais. Para estas organizações, o projeto representa “a antítese do ordenamento do território” e arrisca criar “um ambiente social desfavorável à aceitação das energias renováveis em Portugal”, podendo comprometer a neutralidade carbónica nas próximas décadas.
Face à polémica crescente, a Lightsource bp compromete-se a organizar sessões informativas e participativas para melhorar o projeto antes da elaboração final. Sublinha que a Avaliação de Impacte Ambiental se encontra numa fase inicial e que a proposta voltará a consulta pública. O processo, garante, será “longo, rigoroso e transparente”, permitindo correções estruturais antes da decisão final.














